Gostaria de replicar parte de humilde pesquisa realizada em meu TCC que apresentei em Junho/2019, que objetivou a comprovação ou não da responsabilização do advogado parecerista junto à Lei de Improbidade Administrativa. Clientes desse profissional, respondem muitas vezes por terem acatado pareceres emitidos por advogados que, escoltos por entendimentos de que o parecer é opinativo e não vinculativo, confeccionam pareceres relapsos quanto à qualidade, e que de uma forma ou de outra impactam nas vidas das mesmas.
Percebe-se após pesquisas realizadas em legislação, doutrinas e jurisprudência, que o assunto é de alta complexidade, onde conjuga-se que a responsabilização só pode ocorrer em casos de má-fé, dolo, culpa grave e erro grosseiro da parte do advogado parecerista, pois o vício na motivação do parecer terá a força exponencial de envenenar o ato como um todo, de modo a colocar em dúvida a sua validade.
Essas decisões podem impactar vidas de pessoas, de empresas e de entes da administração pública e de seus gestores, colocando em risco princípios basilares da administração pública, como legalidade e economia, dentre outros que se fazem imprescindíveis para a correta aplicabilidade das normas que regem a administração pública.
A Lei de Improbidade Administrativa, n° 8.429/92, em nenhum momento fala especificamente do advogado parecerista, motivo pela qual, a monografia pesquisou a responsabilidade ou não do advogado parecerista perante a Lei de Improbidade Administrativa, bem como nos entendimentos doutrinários, jurisprudenciais e dos órgãos de controle.
O ponto de partida para a apuração dos parâmetros para responsabilização do Advogado Público parecerista deve ser a premissa básica de que este, como todo advogado, é inviolável no seu exercício funcional, agindo com ampla liberdade técnico-jurídica, nos termos do art. 133 da Constituição Federal e dos arts. 2º e 31 do Estatuto da OAB.
Obviamente, não existe liberdade ilimitada, razão pela qual, inicialmente, o limite material desta imunidade funcional é o que dispõe o art. 32 do Estatuto da OAB, que imputa a responsabilização do advogado quando agir com dolo ou culpa em seu mister.
No STF, o MS 35815, trouxe que a responsabilidade do parecerista ainda não é tema definido na jurisprudência da Corte, ou seja, a questão ainda está aberta e merece debate. Com base nesse fato, a Ministra Carmen Lúcia suspendeu em 26/10/2018 decisão do TCU que aplica multa a advogado público em razão de parecer emitido em processo de licitação. A corte de Contas entendeu que houve direcionamento da licitação, para o TCU o advogado público é responsável solidário ao agente administrativo. Daí, como o tema está aberto, a Ministra deferiu liminar suspendendo a multa não como forma de antecipar o julgamento do tribunal, mas de preservar a decisão em caso de entendimento de não responsabilização do parecerista.
Ainda nos órgãos superiores, o Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu no HC 78.553-SP que embora seja reconhecida a imunidade do advogado no exercício da profissão, o ordenamento jurídico não lhe confere absoluta liberdade para praticar atos contrários à lei, sendo-lhe, ao revés, exigida a mesma obediência aos padrões normais de comportamento e de respeito à ordem legal, pois mesmo que as formalidades legais tenham sido atendidas no seu ato e havendo favorecimento nos meios empregados, é possível o comprometimento ilegal do agir.
O Tribunal de Contas da União vem numa evolução de endurecer o entendimento em desfavor dos advogados pareceristas. Os acórdãos (462/2003, 1.470/2014, 552/2014) vão no entendimento do TCU de que existindo parecer revestido de dolo ou erro grosseiro, é cabida a responsabilização do parecerista.
O Acórdão 2.391do TCU oferece, inclusive, uma inédita tabela ilustrativa, que traz uma forma pedagógica de explicitar as gradações do erro, o que podemos dizer que é enorme avanço.
Como órgão de controle do nosso estado de Santa Catarina, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC), entende no sentido de condenação à Advogado Parecerista conforme Processo nº 16/00318506 em que foi identificado erro grosseiro ou inescusável.
Com o advento da Lei 13655/2018, cabe destaque para a alteração prevista no artigo 28 que traz relevante aspecto ao assunto, pois doravante, o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
O papel do advogado parecerista que exerce função de consultoria não é o de representante de parte. O consultor, da mesma forma que o juiz, tem de interpretar a lei para apontar a solução correta; ele tem de ser imparcial, porque protege a legalidade e a moralidade do ato administrativo; ele atua na defesa do interesse público primário, de que é titular a coletividade, e não na defesa do interesse público secundário, de que é titular a autoridade administrativa.
O importante, para afastar a responsabilização, é a adequada fundamentação do parecer jurídico, que deverá sempre basear-se, não só no direito positivo, mas também nas lições da doutrina e na jurisprudência.
Deve-se sempre lembrar que a responsabilidade do parecerista de forma alguma pode ser confundida com a responsabilidade do administrador. A função do parecerista não pode ser confundida com a função de gestão, caracterizada pelo fato de o administrador ter o dever de analisar elementos que transbordam da apreciação jurídica, como a conveniência e a oportunidade da decisão circunstancial.
A responsabilidade do parecerista deve ser analisada de forma segregada da responsabilidade do administrador. A responsabilização do parecerista deverá levar em conta não o posterior sucesso ou insucesso da contratação, mas sua atuação como profissional técnico, que deve agir com diligência na análise da questão, no espectro de sua competência funcional e do conhecimento técnico que lhe é exigido.
Fica uma provocação para novas pesquisas que possam ser realizadas, buscando discutir alguns temas como: “Como definir objetivamente erro grosseiro?” ou “Até aonde a supremacia do interesse público pode prevalecer?”.
Enfim, fica evidente que existe ainda espaço para discussões e estudos que vão permitir avançarmos em temas complexos do cotidiano.
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